segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

EDITORIAL DO JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO CRITICA A RECRIAÇÃO DA SUDECO

Discordo radicalmente do editorial do jornal O Estado de São Paulo* (que reproduzo abaixo) e fico com pulga atrás da orelha para saber que interesses motivariam o periódico a tomar tal iniciativa. O fato é que, via de regra, a mídia paulista e os seus governantes (mesmo os progressistas) sempre se acham os 'reis da cocada preta'. É como se o mundo girasse em torno deles. Algo parecido com o que os americanos sentem em relação ao resto do mundo. Quiçá este editorial ao menos sirva de alerta para que a população (e os políticos e a mídia) se mobilizem para não apenas recriar, mas fazer da SUDECO uma verdadeira superintendência de desenvolvimento do nosso Centro-Oeste.

* Agradeço à colega jornalista Fabiana Pulcinelli que me alertou para o referido editorial.

Cláudio Marques 

Editorial do jornal O Estado de São Paulo critica a recriação da SUDECO

"A recriação da Sudeco

28 de fevereiro de 2011 | 0h 00


Todos os órgãos do governo federal foram instruídos pela presidente Dilma Rousseff a se pautar pela austeridade e agir com critérios de eficiência na gestão de recursos públicos, sem prejuízo de suas funções. Mas é impossível "fazer mais com menos", como se deseja, criando novos órgãos na administração federal, de duvidosa utilidade e que só podem gerar despesas. Este é precisamente o caso da recriação da Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), extinta em 1990 e ressuscitada por lei complementar aprovada pelo Congresso e sancionada pelo ex-presidente Lula em 2009, e que permanecia até agora nas gavetas do Palácio do Planalto. O ressurgimento da Sudeco virá premiar o PMDB por sua fidelidade ao governo nas votações do Congresso Nacional, devendo o órgão ser dirigido pelo ex-governador de Goiás e ex-prefeito de Goiânia Íris Rezende. Observa-se claramente como os interesses político-partidários se sobrepõem à política de contenção fiscal apenas esboçada pelo atual governo.

A recriação da Sudeco, na realidade, foi prevista quando o Congresso aprovou, em 2007, a reativação, como autarquias, das Superintendências do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e da Amazônia (Sudam), que vinham atuando como agências de desenvolvimento. Mas faltava à Sudeco a destinação de recursos orçamentários para que pudesse operar. Essa omissão foi corrigida por emenda no Senado, depois aprovada pela Câmara, instituindo o Fundo de Desenvolvimento do Centro-Oeste (FCO), hoje com uma verba orçamentária de R$ 4,5 bilhões.
Não se sabe se essa dotação sobreviverá intacta aos cortes no valor de R$ 50 bilhões que o governo tenciona fazer no orçamento deste ano. O fato é que o dinheiro será gasto na instalação do novo órgão, que tem como área de atuação os Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás e o Distrito Federal. A Sudeco terá de arranjar uma sede em Brasília, montar subsedes nos Estados, pagar os salários de seu superintendente, dos membros de seu gabinete, assessores e funcionários, bem como arcar com despesas dos cartões corporativos dos integrantes de seu mais alto escalão. E para quê?
O Centro-Oeste é a região que apresenta as maiores taxas de crescimento do Brasil pelo valor bruto da produção agrícola, e tem muitos problemas a resolver, como deficiências graves de infraestrutura, atendimento às necessidades de saúde e educação da população, vigilância nas áreas de fronteiras e indígenas, proteção ao meio ambiente, etc. O que se pergunta é se a existência da Sudeco ajudaria a encaminhar soluções para essas questões ou se, afinal, não se transformaria em um novo entrave burocrático?
Já existe, por sinal, no Ministério da Integração Nacional, uma Secretaria de Desenvolvimento do Centro-Oeste, encarregada da supervisão ou condução de vários programas. Planos, por sinal, são o que não falta em Brasília para aquela e outras regiões do País, elaborados por diversos Ministérios, alguns deles incluídos no PAC.
A tendência para dividir o País por macrorregiões como forma de promover o desenvolvimento é antiga no Brasil. A ideia prosperou no final da década de 1950 com a criação da Sudene e da Sudam, que tiveram um papel importante enquanto duraram os incentivos fiscais. Nos governos militares, foram instituídas a Sudeco e a Superintendência do Desenvolvimento do Sul, cuja recriação também já foi proposta no Congresso. A experiência mostrou que não é por meio de tais órgãos que se podem vencer os desequilíbrios regionais de desenvolvimento, que requerem uma ação coordenada de todo o governo.
A única vantagem da volta da Sudeco parece ser a de poder realizar reuniões regulares dos governadores da região para servir como fóruns para a discussão e apresentação de reivindicações, como ocorre com a Sudene e a Sudam. Se assim é, o Ministério de Integração Regional poderia encarregar-se de agendar encontros periódicos com governadores para tratar de problemas comuns. Sairia muito mais barato e não implicaria desgaste para a prometida política fiscal. "

Disponível em http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110228/not_imp685387,0.php (acesso em 28/02/2011)


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Cláudio Marques Duarte
Twitter: claudio_mduarte

Resultado da plenária nacional dos Movimentos Sociais

Muito bom o resultado da plenária nacional da Coordenação dos Movimentos Sociais. Demonstra a força e a pujança de organizações que primam pela autonomia de sua luta por um outro Brasil, possível. A CMS reconhece os avanços do governo Lula e reforça a necessidade de o governo Dilma avançar em questões como: reforma agrária, reforma urbana, reforma educacional, reforma política, democratização da comunicação, combate à criminalização do movimento sindical e da pobreza, defesa do pré-sal para o povo brasileiro, redução da jornada para 40 horas semanais e defesa das lutas sociais, como o passe livre para os estudantes e o combate à violência contra as mulheres. O texto da CUT está primoroso! Boa leitura.


Cláudio Marques.

CMS abre guerra contra “agenda regressiva imposta pelos interesses do sistema financeiro e sua mídia”

25/02/2011

Na plenária nacional, Artur conclama luta contra “pauta dos derrotados”

Escrito por: Leonardo Wexell Severo


Artur Henrique, Rosane Bertotti e lideranças do MST, Marcha Mundial de Mulheres, UNE, Unegro, CTB e CGTB
Artur Henrique, Rosane Bertotti e lideranças do MST, Marcha Mundial de Mulheres, UNE, Unegro, CTB e CGTB
A plenária nacional da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) elevou o tom contra a “agenda regressiva” imposta pelos interesses do sistema financeiro e sua mídia, decidindo pela realização de uma jornada unificada de lutas, ampla e massiva - já no primeiro semestre - por mudanças na política econômica e pela democratização do Estado. As entidades populares defenderam a implantação de reformas estruturais - como a agrária, urbana, educacional e política -, e a construção de um novo marco regulatório das comunicações para pôr fim ao oligopólio privado e garantir a mais plena liberdade de expressão.

Com a presença de 80 dirigentes de entidades sindicais, de trabalhadores rurais e urbanos, estudantis, comunitárias, femininas e da negritude, representando 11 estados (AP, BA, ES, MG, MT, PR, RJ, RO, RS, SC, SP) e do Distrito Federal, a plenária realizada nesta sexta-feira na sede central da Apeoesp, na capital paulista, debateu a conjuntura nacional e internacional, apontando formas unitárias de atuação no próximo período “para impedir o retrocesso”.

Conforme o documento aprovado pela plenária da CMS, embora a eleição da presidenta Dilma esteja ligada “à determinação do povo por mais mudanças, pela afirmação da soberania nacional e o aprofundamento da democracia”, “existe forte pressão dos setores conservadores e sua mídia para impor uma agenda regressiva ao próximo período”. “As ações implantadas nesse início de mandato pela equipe econômica - sob justificativas do controle da inflação e das contas públicas – seguem num caminho diferente do apontado pelas urnas e reproduzem a pauta imposta pelos interesses do setor financeiro, sustentadas no Banco Central”. Exemplo disso, aponta a CMS, “é o aumento dos juros, o congelamento das contratações públicas, o contingenciamento de 50 bilhões de reais e o pouco diálogo no debate sobre o reajuste do salário mínimo”.

ABERTURA
Presente à mesa de abertura, o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique, lembrou que o aumento dos gastos de custeio ocorridos durante o governo Lula significou “aumento da transferência de renda” para as parcelas mais necessitadas da população e denunciou que, agora, ”é neste ponto que estão querendo mexer”. Artur salientou que “a agenda do mercado”, que identificou como a pauta dos derrotados nas últimas eleições, não interessa ao povo brasileiro.

O líder cutista alertou que “este namoro da Dilma com a mídia vai durar seis meses e aí depois o governo virá nos procurar para sustentá-lo, como fez em 2005”.  Na época, a mobilização da CMS impediu a materialização do golpe contra o presidente Lula, tramado por demos e tucanos em sintonia com os barões da mídia sob o mantra do “combate à corrupção”.

Para Artur, o fundamental neste momento é construir uma “agenda prioritária” dos movimentos sociais para ampliar a pressão, “com diálogo e luta, negociação e mobilização” e garantir um espaço de interlocução com o governo federal. “Assim como os empresários têm interlocução direta, nós também precisamos ter. E não é reuniãozinha, mas um espaço institucional que envolva os ministérios e as autoridades afins para debater e resolver os nossos problemas, que são os do povo brasileiro”, assinalou. E, saudando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Artur encerrou a intervenção com uma citação histórica da revolucionária Rosa Luxemburgo publicada no jornal do MST: “Há todo um velho mundo ainda por destruir e todo um novo mundo a construir. É preciso auto-disciplina interior, maturidade intelectual, seriedade moral, senso de dignidade e de responsabilidade, todo um renascimento interior do trabalhador. Com homens preguiçosos, levianos, egoístas, irrefletidos e indiferentes não se pode realizar o socialismo”.

Segundo Rosane Bertotti, secretária nacional de Comunicação da CUT e da direção operativa da CMS, “o mais importante é a existência de uma compreensão comum de que devemos estar unidos e mobilizados, movimento sindical e social, para avançar nas conquistas e barrar qualquer retrocesso”. “Ficou evidente em cada fala, nas contribuições dos diferentes estados e entidades, que vamos à luta contra o corte de recursos, a suspensão de concursos públicos, a elevação dos juros e o freio à expansão salarial, anunciados recentemente pela equipe econômica. Nosso compromisso é com a melhoria das condições de vida e trabalho dos brasileiros e brasileiras e isso se faz com um Estado indutor, que exerça forte protagonismo no combate às injustiças sociais e regionais que ainda nos infelicitam”, sublinhou. Rosane citou a recente participação em Dacar, no Fórum Social Mundial, para lembrar do enorme reconhecimento internacional ao papel do governo Lula, que é referência por ter defendido o mercado interno, expandido o salário e o emprego, contrariando a lógica do “ajuste fiscal” propagandeada pelo FMI e pelo Banco Mundial.

Gilmar Mauro, do MST, discursa ao lado do presidente da UNE, Augusto Chagas
Gilmar Mauro, do MST, discursa ao lado do presidente da UNE, Augusto Chagas
Em nome da coordenação do MST, Gilmar Mauro defendeu a democratização da comunicação como um elemento chave para o avanço da democracia no país, e alertou para os riscos do governo evitar mexer “nesse monopólio que criminaliza os movimentos sociais e a pobreza”. O caso Cutrale, onde o MST realizou uma ocupação no interior paulista para denunciar a grilagem de terras públicas – que o próprio INCRA confirmou pertencerem à União – é esclarecedor, citou. Na época, a mídia privada – mais privada do que mídia – divulgou que os prejuízos causados pelo MST totalizaram R$ 1,2 milhão, referentes aos equipamentos danificados, aos defensivos agrícolas extraviados e à parte da lavoura de laranja derrubada. Embora a Justiça tenha desmentido a calúnia e dado ganho de causa ao MST, declarou Gilmar, “durante um tempo não podíamos sair na rua em Bauru, pois produziu-se um consenso para gerar processos coercitivos”. Na prática, explicou, esta política de “coerção e consenso” fabricada pelos meios de comunicação a serviço do opressor tenta tornar palatáveis para as amplas maiorias as mais repugnantes formas de violência contra o oprimido. Assim, condenou, nos deixam sem opção, “nos perguntam com que molho queremos ser servidos”. Citando a fala de Artur Henrique, Gilmar disse que é preciso apresentar uma pauta unificada com os seguintes pontos, “não necessariamente nesta ordem”, brincou: reforma agrária, reforma urbana, reforma educacional, reforma política, democratização da comunicação, combate à criminalização do movimento sindical e da pobreza, defesa do pré-sal para o povo brasileiro, redução da jornada para 40 horas semanais e defesa das lutas sociais, como o passe livre para os estudantes e o combate à violência contra as mulheres.

BALDE DE ÁGUA FRIA
O presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Augusto Chagas, denunciou que as medidas que vêm sendo adotadas pela equipe econômica estão na contramão do projeto pelo qual a presidenta Dilma foi eleitae representam “um balde de água fria sobre o aquecimento da possibilidade de desenvolvimento brasileiro”. “Salário mínimo de R$ 545,00, juros altos, corte assustador de R$ 50 bilhões, congelamento de contratações... E a justificativa para isso é um discurso mentiroso, como é o tal surto inflacionário, os gastos públicos”, protestou Chagas, esclarecendo que a real sangria está nas centenas de bilhões que saem dos cofres públicos para o pagamento de juros aos banqueiros, “uma distribuição de renda às avessas".

Sônia Coelho, da Marcha Mundial de Mulheres, destacou que o aumento irrisório dado ao salário mínimo é preocupante, pois mais do que o “valor”, encerra uma concepção que atenta contra o processo de valorização progressiva de um poderoso instrumento de justiça social. Segundo Soninha, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) apresentou um estudo em 2007 que comprova um levantamento que o movimento feminista havia realizado anos antes: “a valorização do salário mínimo é uma política fundamental para alterar a condição de vida das mulheres e da população negra”.

Na avaliação do vice-presidente da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), Ubiraci Dantas de Oliveira, oargumento falacioso da “pressão inflacionária”, utilizado para frear a política de valorização do salário mínimo, deve ser combatido “uma vez que a inflação é externa e vem da especulação das commodities promovidas pelas multinacionais”. Portanto, assinalou Bira, “aumento de juros, arrocho salarial e redução do investimento público, além de serem completamente ineficazes para enfrentar o problema, só tornam o país mais vulnerável”. “Nesta luta pela independência e a soberania nacional nós vamos mobilizar todos os patriotas e enquadrar o Palocci e o Mantega, que estão fazendo o jogo do atraso”, acrescentou.

Representando a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Rogério Nunes, declarou que o projeto que elegemos era de continuidade do governo Lula, para aprofundar as mudanças. Mas “ao contrário”, denunciou, o valor de R$ 545 aprovado para o salário mínimo reflete uma concepção retrógrada, desmerecendo uma política de valorização que ajudou a combater os efeitos da crise internacional. A decisão da equipe econômica, condenou Rogério, “é monetarista, retrai o crescimento e o desenvolvimento nacional”.

Para o veterano Gegê, da Central dos Movimentos Populares (CMP), é inadmissível que num governo eleito para fazer mudanças, a equipe econômica se coloque na posição de administradora da crise do capital, tentando jogá-la sobre os ombros dos trabalhadores. “É um comportamento oportunista, eleitoreiro, de gente que pega carona no nosso caminhar. Precisamos enfrentar esta concepção, pois é um peso de tora, difícil de carregar”, frisou.

PRESSÃO SOBRE O GOVERNO E O PARLAMENTO
De acordo com o secretário de Políticas Sociais da CUT, Expedito Solaney, a unidade de ação e mobilização da CMS será imprescindível para colocar a pressão das ruas dentro do governo e também do parlamento. Solaney citou especificamente a necessidade da aprovação da PEC 438, que expropria as terras onde for encontrado trabalho escravo. “A Lei Áurea teve dez dias de debate no parlamento, a PEC 438 já tem 10 anos. Precisamos garantir a sua aprovação para que estas pessoas que foram escravizadas passem a ser donas da terra”, defendeu.

Para Lúcia Stumpf, da União Brasileira de Mulheres (UBM), a plenária nacional mostra que os movimentos sociais "estão mais vigorosos do que nunca, no Brasil e no mundo, demonstrando que têm força para mudar a corrente do vento". As propostas apresentadas no Projeto Brasil, aprovado em 31 de maio de 2010 pela CMS, enfatizou, devem ser o foco das reivindicações por "reformas que mudem a estrutura do Estado, democratizando-o na essência".
João Brant, do Coletivo Intervozes: democratização da comunicação na ordem do dia
João Brant, do Coletivo Intervozes: democratização da comunicação na ordem do dia
Em nome do Coletivo Intervozes, João Brant denunciou o emaranhado de interesses escusos que se articulam em torno da mídia hegemônica, sublinhando o papel protagônico dos movimentos sociais para que as deliberações da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) não virem letra morta. A fim de que o novo marco regulatório do setor expresse o desejo e as expectativas da sociedade brasileira, destacou, o momento é de colocar pressão.

A plenária também reafirmou a posição da Assembleia dos Movimentos Sociais, aprovada no Fórum Social Mundial de Dacar, de fazer do 20 de março um Dia Mundial de Luta Contra as Bases Militares dos Estados Unidos e em solidariedade ao povo cubano e palestino, aproveitando a visita do presidente Barack Obama ao Brasil.

Entre outras lideranças, fizeram uso da palavra Edson França, da União de Negros pela Igualdade (Unegro); Yann Evanovick, da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e Bartíria Costa, da Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam).

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

"Uma andorinha só não faz verão"

Neste exato momento, durante toda esta sexta-feira (25/02), a Coordenação dos Movimentos Sociais realiza sua 9ª Plenária Nacional, em São Paulo (veja matéria logo após este meu comentário). Antes do fato, vale um dedinho de prosa sobre como nasceu esta iniciativa plural, democrática e unificadora das lutas do povo brasileiro.

Ainda era 'menino', uns 18 anos de idade, quando comecei a participar de movimentos sociais. Primeiro, estudantil, depois, sindical e popular. Entre os movimentos populares, como estudante/estagiário, junto com o amigo (hoje jornalista e professor da Facomb-UFG), assessorei a Federação Goiana de Inquilinos e Posseiros e o Movimento Nacional de Luta pela Moradia, à época tendo como referências políticas em Goiás o companheiro Ronnie Barbosa (PT), Vidal Barbosa e Maurício Beraldo (hoje vereador pelo PSDB).

Era final da década de 1980. Destes e outras centenas de movimentos que 'pipocavam' no pós ditadura militar, surgiu o embrião da Coordenação Nacional dos Movimentos Populares. A iniciativa visava unificar as lutas gerais dos mais variados movimentos sindicais e populares, de modo a que não ficassem somente nas bandeiras corporativas.

Atualmente, além da CUT, integram a Coordenação dos Movimentos Sociais outras 29 entidades nacionais, entre elas  MST, CMP, UNE, UBES, ABI, CNBB/OS, Grito dos Excluídos, Marcha Mundial das Mulheres, UBM, CNTE, Intervozes, FUP, entre outras (lista completa no final deste post).

Como se dizia em 1988: "uma andorinha só não faz verão". A história mostrou que vale a pena lutar junto, realizar sonhos e avançar na construção de um outro mundo possível.

Cláudio Marques.


A Coordenação dos Movimentos Sociais realizará sua 9ª plenária nacional nesta sexta-feira (25) a partir das 9h30 na sede central da Apeoesp, na capital paulista.

Segundo Rosane Bertotti, secretária nacional de Comunicação da CUT e representante da Central na CMS, a plenária cumpre o papel de potencializar as lutas populares, ao somar pluralidade e diversidade de visões de mundo que convergem para um objetivo único.

“A existência da CMS é extremamente frutífera, representando um amadurecimento coletivo das entidades sindicais, de trabalhadores rurais e urbanos, estudantis, comunitárias, femininas e da negritude que, sem abrir mão de seus projetos e concepções, se unem para pavimentar um caminho comum de defesa dos interesses do povo brasileiro”, declarou Rosane.

Esta unidade na diversidade, enfatizou, é a maior riqueza da CMS, que tem cumprido um papel chave, seja no enfrentamento ao retrocesso neoliberal, como ocorreu recentemente durante o processo eleitoral, seja na defesa de um projeto nacional de desenvolvimento com valorização do trabalho, distribuição de renda e ampliação de direitos.

Para Rosane, o agravamento da crise econômica e financeira que tem como centro os países desenvolvidos vai exigir ações mais efetivas do Estado brasileiro, que deve ampliar os investimentos nas áreas sociais e fortalecer políticas públicas. “Nossa agenda é a que saiu vitoriosa das urnas: mais salário, mais empregos e mais direitos. Discordamos frontalmente do corte de recursos, da suspensão de concursos públicos, da elevação dos juros e do freio à expansão salarial, anunciados recentemente pela equipe econômica. Nosso compromisso é com a melhoria das condições de vida e trabalho dos brasileiros e brasileiras e isso se faz com um Estado indutor, que exerça protagonismo no combate às injustiças”, sublinhou.

A dirigente cutista lembrou que além da pauta nacional, o tema da solidariedade internacional também terá importante papel nos debates da plenária. Rosane frisou que no último Fórum Social Mundial, realizado em Dacar, capital do Senegal, de 6 a 11 de fevereiro, a assembleia dos movimentos sociais convocou já para o próximo 20 de março um dia mundial de luta contra a multiplicação das bases militares dos Estados Unidos, de solidariedade com o povo árabe e africano, e também de apoio à resistência palestina e saharauí.

Além da CUT, integram a Coordenação dos Movimentos Sociais as seguintes entidades: MST, CMP, UNE, UBES, ABI, CNBB/OS, Grito dos Excluídos, Marcha Mundial das Mulheres, UBM, Conem, Unegro, MTD, MTST, Contee, CNTE, Conam, UNMP, Ação Cidadania, Cebrapaz, Abraço, CGTB, Intervozes, CNQ, FUP, Sintap, ANPG, CTB, CMB e MNLN.

PT quer mais tempo para debater o código florestal

Como o partido que governa o país há mais de oito anos, está correto grupo de parlamentares do PT em pedir mais tempo para aprofundar o debate sobre alterações propostas pelo deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB) ao Código Florestal.

Grupo do PT quer mais tempo para debater Código Florestal

O grupo de trabalho da bancada do PT que trata das alterações ao Código Florestal (PL 1876/99), solicitou ontem ao presidente da Câmara, deputado Marcos Maia (PT-RS), mais tempo para debater o tema. Pronto para entrar na pauta do Plenário, a matéria tem promovido intensos debates entre parlamentares, ruralistas, ambientalistas e especialistas do segmento. O deputado Ságuas Moraes (PT-MT), que faz parte do grupo do PT, defendeu serenidade no tratamento do projeto. “É um assunto complexo e que aponta divergências em vários pontos. As alterações ao Código Florestal são necessárias e precisam da participação de todos”, disse.

Para membros do grupo de trabalho, o projeto não poderia ir ao Plenário da Casa no mês de março. Eles justificam que pela falta de consenso em torno do relatório, seria importante uma mobilização positiva de debates com a sociedade organizada.

O presidente Marco Maia concordou que o debate é necessário, mas alertou que a decisão de pautar o Plenário não é apenas da presidência, mas também do Colégio de Líderes. Maia informou que pretende criar uma “Câmara de Negociações”. Segundo ele, esta câmara seria composta de seis a oito parlamentares para debater assuntos polêmicos, sem acordo entre os pares, como o Código Florestal.

Código – O projeto, que tramita na Câmara e já foi aprovado em comissão especial em 2010, aguarda deliberação do Plenário para depois seguir para o Senado. Relatadas pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), as alterações do Código Florestal têm promovido calorosos debates no Parlamento. Entre os temas mais polêmicos estão as questões de áreas de reserva legal e de preservação permanente. (Fonte: Informes PT http://www.informes.org.br/)

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Cerradania é isso: UFG diploma turma de Pedagogia da Terra

http://www.ufg.br/page.php?noticia=7172

Para o MST, aprovação do 'novo' Código Florestal seria um retrocesso

Equilibrada a entrevista do dirigente do MST, Gilmar Mauro, à Agência Brasil (link no final da entrevista). Entre os assuntos, defende a não aprovação do novo texto do Código Florestal que, para ele, ampliaria a exploração indiscriminada das terras pelo agronegócio.

Fala também da autonomia que o Movimento tem/terá em relação ao governo da Presidenta Dilma Roussef. Concordo com a importância dos movimentos sociais terem liberdade e autonomia em relação a governos e partidos políticos -- o que não quer dizer que não tenha direito e acesso a verbas públicas, tal como ocorre com o segmento empresarial rural (avalio até que deveriam ter mais acesso, já que têm menos condições).

Importante também, em minha opinião, o Governo Federal (assim como o faz com setores do agronegócio) manter o diálogo, já que a história mostra que quando não existe negociação, muitos movimentos enveredam para a clandestinidade, até transformando-se em grupos paramilitares.

Há quem goste e quem não goste do MST, mas é inagável que, atualmente, é o mais organizado movimento social da América Latina.

Cláudio Marques.


MST terá autonomia na relação política com o governo Dilma, garante coordenador

Gilberto Costa
Repórter da Agência Brasil

Brasília – O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) reconhece com restrições os avanços na questão agrária e na distribuição de renda nos últimos anos. Para Gilmar Mauro, da coordenação nacional do movimento, a evolução ocorreu sem a necessária diminuição da concentração fundiária e a alteração do modelo de exploração do solo o que, para o MST, põe em risco os recursos naturais.

A questão ambiental estará à frente da pauta de mobilização que os trabalhadores rurais terão no primeiro ano do governo Dilma Rousseff e será tema de campanhas de mobilização como a do Abril Vermelho.

Gilmar Mauro garante que, em relação ao governo da primeira presidenta do Brasil, o MST, um dos
principais movimentos sociais do país, manterá autonomia.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista que o líder do MST concedeu à Agência Brasil.

Agência Brasil: O senhor já tem alguma avaliação sobre o governo Dilma?

Gilmar Mauro: Nossa impressão preliminar é a de que o governo Dilma será mais ou menos a continuidade do governo Lula. A expectativa é que se possa, no governo Dilma, avançar mais na reforma agrária, embora os indícios iniciais sejam de que o tema está fora de pauta. Tanto no período eleitoral quanto no pós-eleitoral [mesmo no discurso de posse], o tema da reforma agrária não foi tratado. Historicamente, aliás, nós podemos afirmar que não temos um programa de reforma agrária. O que temos tido, ao longo da história brasileira, são programas de assentamento porque a estrutura fundiária brasileira continua inalterada, ou seja, grandes propriedades, alta concentração fundiária, grandes investimentos no agronegócio como forma de exportação de commodities para equilibrar a balança de pagamentos.

ABr: O lema do novo governo é “País rico é país sem pobreza”. Há relação entre a estrutura fundiária e a questão da pobreza, desigualdade e distribuição de renda?

Gilmar Mauro: O governo Lula avançou numa perspectiva de distribuição de renda com o sistema de bolsa, a elevação do nível de empregos e etc, mas sem mexer na renda dos ricos e sem mexer na estrutura altamente desigual que nós temos no país. Não vejo possibilidade de acabarmos com a pobreza no Brasil sem alterarmos isso. É preciso mexer na renda dos ricos, na riqueza do país, e, especialmente, no patrimônio. No caso, em particular da reforma agrária, [mexer] nas terras que estão servindo e serviram por muito tempo como reserva de especulação e hoje estão sendo utilizadas por grandes transnacionais para gerar lucros.

ABr: Qual a sua expectativa quanto ao relacionamento do governo com os movimentos sociais?

Gilmar Mauro: Por ora, não há nenhum indicativo. Com o MST, não tem nada estabelecido. A gente espera, em um período próximo, fazer reuniões. Temos uma pauta emergencial para discutir com ela [a presidenta Dilma], mas, acima de tudo, temos uma pauta de médio prazo que acreditamos ser uma pauta da sociedade brasileira e tem a ver com o tipo de reforma agrária. Se nós continuarmos com a reforma agrária dentro da lógica de mercado não tem mais sentido. Se pensarmos um outro tipo de utilização do solo, dos recursos naturais, da água, numa perspectiva de preservação para o futuro, evidentemente, a reforma agrária passa a ser uma coisa moderna. Também queremos discutir sobre alimentação. Se a sociedade brasileira quer continuar consumindo alimentos altamente contaminados, então, também não tem sentido uma reforma agrária e uma agricultura familiar fortalecida.

ABr: Mas, atualmente, 70% do que o brasileiro consome vem da agricultura familiar...

Gilmar Mauro: Podemos dizer que sim. Com uma quantidade menor de terras, a agricultura familiar e a média agricultura têm proporcionalmente uma produtividade de alimentação e de geração de empregos infinitamente maior do que a grande produção de exportação. Porém, a pequena propriedade e a média utilizam, em grande medida, todo o pacote tecnológico produzido e monopolizado por grandes grupos de transnacionais. Isso é preciso ser alterado.

ABr: O MST faz muitas críticas ao chamado agronegócio, mas setores dentro do próprio governo reconhecem a importância econômica. O Brasil cada vez exporta menos manufaturados ao passo que se consolida como maior produtor de carne, de frango, de soja, o que tem trazido divisas para o país.

Gilmar Mauro: Nós vivemos o dilema da reprimarização da economia na medida em que passamos a exportar produtos com pouco valor agregado. Para ter uma ideia, em produtos agrícolas processados em grau 1 e grau 2, nós estamos perdendo para a Argentina. Do ponto de vista do equilíbrio comercial, essa exportação, em grande medida, e o mercado internacional em expansão, trazem divisas para o país e equilibram a balança de pagamento. Porém, uma economia não sobrevive com isso, não tem jeito.

ABr: Teremos, neste primeiro ano de governo Dilma, a mobilização do Abril Vermelho?

Gilmar Mauro: Nós vamos continuar fazendo mobilizações para a reforma agrária. Nós queremos uma relação de autonomia com o governo. Um movimento que perde sua autonomia perde a capacidade de fazer política. Uma coisa muito importante é que a reforma agrária não depende mais do MST. A reforma agrária depende de um debate com a sociedade. Se a sociedade brasileira quer continuar dando esse uso que dá ao solo, aos recursos naturais, à biodiversidade e servir a essa lógica que está estabelecida do lucro, de fato, a reforma agrária não vai ter espaço no nosso país. Agora, se a sociedade quer dar um outro uso ao solo e à água, comer outro tipo de comida mirando uma perspectiva de preservação desse patrimônio às futuras gerações, então, de fato, a reforma agrária é uma das coisas mais importantes e por essa razão essa jornada de lutas em abril.

ABr: Das 924 mil famílias assentadas na última década, cerca de 38% não conseguem ter renda de um salário mínimo. A reforma agrária é um bom mecanismo para acabar com a pobreza?

Gilmar Mauro: Esse número, na verdade, a grande maioria, é de regularizações fundiárias no Norte do país. Isso é um engabelamento que se faz em torno dos números da reforma agrária.

ABr: Para o senhor qual seria o número correto?

Gilmar Mauro: Desapropriação e assentamentos no Brasil são em torno de 400 mil famílias. O restante é regularização. Mais que isso, se uma família desiste de um assentamento, o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] contabiliza a família para quem a terra será destinada como nova família assentada. Isso inflacionou o número de assentamentos e a quantidade de terras que, supostamente, a reforma agrária já possui no país. É um dado que não reflete a realidade.

ABr: E a questão da permanência das pessoas em situação de pobreza nos assentamentos?

Gilmar Mauro: A maioria das áreas desapropriadas está em condições precárias, já foi destruída ambientalmente e a fertilidade do solo é muito baixa. Um assentado, ao entrar numa área dessa, além de estar descapitalizado, precisa, logo no primeiro momento, investir na recuperação do solo. E não há nenhum tipo de recurso, crédito, para esse tipo de investimento. Então, o investimento é arcado pelas próprias famílias. No início dos assentamentos, a produtividade é baixa pela falta de recursos e, principalmente, pela precariedade da situação das terras.

ABr: Mas há recursos do Programa Nacional de Agricultura Familiar para isso, não?

Gilmar Mauro: No último período melhorou a situação dos créditos, mas ainda não é o ideal. Ela não tem produção em escala e, por isso, tem dificuldade. Em todo o mundo a pequena agricultura é subsidiada e, no caso brasileiro, devia ser também. Nós queremos melhorar a situação dos créditos, além de um volume maior, as condições precisam ser modificadas. Para ser considerado um assentamento, a área deveria ter estrada, escola, luz elétrica, casa, recuperação do solo e assim por diante. O que acontece é: quando se estabelece o projeto já se considera assentamento, mas ainda com toda a precariedade.

ABr: E, com relação ao Congresso Nacional, a bancada governista é mais robusta, mas o MST já apontou que o número dos parlamentares ruralistas continua grande e eles estão entre os mais ricos. O que vocês esperam do Parlamento?

Gilmar Mauro: Houve aumento no número dos parlamentares vinculados com o tema da reforma agrária. Isso é importante, é uma situação nova, diferente do último período. A Câmara dos Deputados, no entanto, continua altamente conservadora, mesmo o governo tendo maioria.

ABr: Que pautas serão acompanhadas pelo MST?

Gilmar Mauro: O Código Florestal é um tema que a sociedade deveria discutir muito melhor. É de fundamental importância e o que a gente espera é que não seja aprovado tal qual está. Seria um retrocesso, a abertura para que o agronegócio continue sua expansão de forma indiscriminada. Estou falando como cidadão desse país que está preocupado com o futuro da nossa agricultura, dos recursos naturais, da contaminação. Espero que o Congresso barre esse projeto para evitarmos consequências graves para o futuro da nossa agricultura e do nosso país.

ABr: O senhor expressa grande preocupação com a preservação, mas há dados sobre desmatamento nos assentamentos.

Gilmar Mauro: Nós temos esse problema também nos assentamentos, mas não é generalizado como se tenta dizer. A razão [dos desmatamentos] é simples: ocorre por falta de fiscalização do Incra, por falta de iniciativa do próprio Estado em resolver a situação de precariedade dos assentamentos. O MST não orienta a isso.

ABr: Há algo mais na agenda política que interesse ao movimento?

Gilmar Mauro: Em primeiro lugar, o índice de produtividade, que é uma vergonha. O agronegócio alardeia desenvolvimento tecnológico e quer manter os índices dos anos 1970? É uma contradição. A segunda coisa é o trabalho escravo que nos deixa numa situação delicada internacionalmente. É inadmissível que o Congresso não tenha aprovado ainda a PEC do Trabalho Escravo [Proposta de Emenda à Constiutição nº 438] que aponta para o processo de desapropriação das terras. A terceira preocupação é com relação aos alimentos transgênicos. Além da soja, do milho, do algodão, há vários projetos de utilização de transgênicos que, possivelmente, entrarão em pauta no próximo período e que nos preocupa muito porque ainda não há estudos decisivos sobre o tema.

Edição: Lílian Beraldo

Disponível em http://agenciabrasil.ebc.com.br/enviorss;jsessionid=97A33D1D98BB76E1B912547055333115?p_p_id=56&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&_56_groupId=19523&_56_articleId=3193489 (acesso em 24/02/2011)

De Jorge Luis Borges a Martha e Gilberto

Recebi este poema dos meus amigos Martha e Gilberto. Eles têm sido rocha em nossas vidas. Por isso os agradeço de público. Obrigado Martha, Gilberto, Matheus e Neto. Vocês estão em nosso coração. Obrigado principalmente porque o escritor, poeta, tradutor, crítico literário e ensaista argentino, Jorge Luis Borges, é tudo de bom.

Cláudio Marques

Poema aos amigos
Jorge Luis Borges
Não posso dar-te soluções
Para todos os problemas da vida,
Nem tenho resposta
Para as tuas dúvidas o temores,
Mas posso ouvir-te
E compartilhar contigo.

Não posso mudar
O teu passado nem o teu futuro.
Mas quando necessitares de mim
Estarei junto a ti.

Não posso evitar que tropeces,
Somente posso oferecer-te a minha mão
Para que te sustentes e não caias.

As tuas alegrias
Os teus triunfos e os teus êxitos
Não são os meus,
Mas desfruto sinceramente
Quando te vejo feliz.

Não julgo as decisões
Que tomas na vida,
Limito-me a apoiar-te,
A estimular-te
E a ajudar-te sem que me peças.

Não posso traçar-te limites
Dentro dos quais deves actuar,
Mas sim, oferecer-te o espaço
Necessário para cresceres.

Não posso evitar o teu sofrimento
Quando alguma mágoa
Te parte o coração,
Mas posso chorar contigo
E recolher os pedaços
Para armá-los novamente.

Não posso decidir quem foste
Nem quem deverás ser,
Somente posso
Amar-te como és
E ser teu amigo.

Todos os dias, penso
Nos meus amigos e amigas,
Não estás acima,
Nem abaixo nem no meio,
Não encabezas
Nem concluís a lista.
Não és o número um
Nem o número final.

E tão pouco tenho
A pretensão de ser
O primeiro
O segundo
Ou o terceiro
Da tua lista.
Basta que me queiras como amigo


Dormir feliz.
Emanar vibrações de amor.
Saber que estamos aqui de passagem.
Melhorar as relações.
Aproveitar as oportunidades.
Escutar o coração.
Acreditar na vida.


Obrigado por seres meu amigo.



Para entender a revolução do povo líbio

Diferentemente da superficialidade do jornalismo na maioria dos veículos de comunicação, o boletim Outras Palavras, do Le Monde Diplomatique Brasil (link no final do artigo) se aprofunda e de modo didático nos permite compreender a revolução que o povo da Líbia promove em seu país. Em primoroso artigo, Antônio Martins historia que Muamar Gaddafi foi aliado do “socialismo real”, estimulou atentados e terminou nos braços de Bush, Blair e Silvio Berlusconi. 
 

Líbia: o ditador desmascarado

Vendaval árabe abala Muamar Gaddafi, o coronel que foi
aliado do “socialismo real”, estimulou atentados e terminou
nos braços de Bush, Blair e Silvio Berlusconi

O país está quase isolado do mundo: a ditadura controla rádio, TV e jornais;  cortou internet, celulares e telefones fixos. Raras notícias e imagens furam o muro de silêncio. São dramáticas. A aviação disparou contra a população rebelde. Há pelo menos 300 mortos, num país cuja população equivale à da cidade do Rio de Janeiro. Mercenários substituem os soldados que desertam. Percorrem as ruas da capital (Tripoli) armados, para reprimir manifestações. O aeroporto de Benghazi, onde começaram os protestos, foi bombardeado. O filho do ditador anunciou domingo que o regime resistirá “até o último homem” e ameaçou iniciar uma guerra civil.

Ainda assim, a revolução não recua. A população teria assumido o controle de diversas cidades. Em sequência ao banho de sangue, diversos ministros e muitos diplomatas desertaram. O embaixador adjunto do país na ONU pediu ao Conselho de Segurança (que está reunido nesta tarde de terça-feira, 22/2). As últimas notícias falam de barricadas em Tripoli — e de chamas em edifícios que simbolizam o regime. Mais uma vez, quem conduz a luta são os jovens.

Novo epicentro (depois da Tunísia e Egito) do terremoto desencadeado pelas multidões árabes, a Líbia é crucial por dois motivos. É o primeiro grande produtor de petróleo atingido pelos protestos. Além disso, há um componente simbólico destacado. O regime agora pendurado por um fio flertou, ao longo de seus 41 anos, com os dois grandes projetos políticos que marcaram o século 20: “socialismo real” e sociedades de mercado. Em ambos os casos, as multidões foram mantidas à margem, reprimidas, privadas de direitos políticos e de qualquer participação importante sobre seu futuro coletivo. Agora, tateiam em busca de uma alternativa.


Subjugada sucessivamente por romanos, islâmicos, otomanos e italianos, a Líbia tornou-se independente em 1949, por resolução das Nações Unidas. Foi governada a partir de 1951 pelo rei Idris, cujos laços com Inglaterra e França eram notórios. Em 1959, descobriram-se seus vastos campos de petróleo. Dez anos mais tarde, na esteira do nacionalismo árabe que tinha no egípcio Abdel Nasser sua principal referência, um grupo de jovens coronéis tomou o poder. Seu líder mais poderoso era Muamar Gaddafi, então com 27 anos.

À frente de um país rico e pouco habitado, Gaddafi alcançou avanços importantes, no terreno das condições de vida. O IDH da Líbia (0,755) é o maior da África e bem superior ao do Brasil (0,699). Montado nestas conquistas, o governante sentiu-se capaz de conduzir o Estado líbio, no cenário internacional, pelos caminhos que sua vaidade julgasse convenientes.

Entre a década de 1960 e o final do século passado, alinhou-se com o “socialismo real” e os nacionalismos de esquerda — inclusive suas correntes mais radicais. Considerou-se um parceiro de Fidel Castro e Yasser Arafat. Apoiou movimentos separatistas como o IRA irlandês e os radicais islâmicos das Filipinas. Advogou, em palavras, a unidade árabe. Na vida real, perseguiu os dissidentes na Líbia e os que se refugiavam no exterior, em muitos casos com assassinatos.

Em 1977, considerando-se inspirado por Nasser (que escrevera A Filosofia da Revolução) e Mao (autor do Livro Vermelho), redigiu, traduziu em múltiplos idiomas e publicou em grandes tiragens O Livro Verde (ler em inglês), uma obra tosca de política e filosofia.  Julgou-se líder de uma revolução cultural. Mudou o nome de seu país para Grande Jamahyria [Estado de massas, em árabe] Socialista Árabe da Líbia.

O declínio do “socialismo real” levou-o a posições mais extremadas. No início dos anos 1980, rompeu com Arafat, fechou os escritórios da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) em Trípoli e expulsou milhares de refugiados palestinos de “seu” país. Em abril de 1986, surgiram indícios de que a embaixada líbia em Berlim Oriental ajudara a articular um atentado a bomba numa boate em Berlim Ocidental, que provocou três mortes e 230 feridos — entre eles, dezenas de soldados norte-americanos. Em resposta, o então presidente dos EUA, Ronald Reagan, mostrou que era capaz de selvageria muito maior. Dias depois, aviões norte-americanos bombardearam Tripoli e outras cidades, provocando a morte de centenas de civis — entre eles, Hanna, filha adotiva de Gaddafi.

A ação não ficaria sem troco — mais uma vez, tendo como alvo civis inocentes. Em 1988, um avião de passageiros da empresa norte-americana Pan Am (falida em 1991) foi abatido por uma bomba, quando sobrevoava a cidade de Lockerbie, na Escócia. Morreram 270 pessoas, dentre as quais 189 estadunidenses. Acusado pelo crime, Gaddafi negou responsabilidade.

Iria assumi-la anos mais tarde, em 2003, como parte de uma guinada radical — agora ao encontro dos governos mais identificados com a política imperial do então presidente dos EUA, George Bush. Em agosto, o ditador líbio enviou carta às Nações Unidas admitindo a responsabilidade de seu país pelo crime e se propondo a pagar indenização de 2,7 bilhões de dólares às famílias das vítimas. Num gesto ainda mais eloquente, abriu a exploração das reservas de óleo líbias a empresas como a British Petroleum e a ENI, italiana.

Foi o suficiente para que também os governantes ocidentais o cobrissem de mesuras. Puxou a fila o então primeiro-ministro inglês Tony Blair. Famoso por seu alinhamento total às politicas de Bush, ele manteve com Gaddafi um “encontro histórico”, consumado numa tenda beduína, montada nos arredores de Tripoli. Seguiram-no o francês Nicolas Sarkozy (julho de 2007), o italiano Silvio Berlusconi (agosto de 2008) e, finalmente, a secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice (setembro de 2008).

Num artigo publicado hoje, Gideon Rachman, principal analista internacional do diário londrino (e pró-capitalista) Financial Times, reconhece: “nos últimos anos, o líder líbio foi recaracterizado como sendo um pecador reformado, aliado na ‘guerra ao terror’ e valioso parceiro de negócios (…) As mudanças de atitude em relação a Gaddafi evidenciam a forma como as preocupações ocidentais em relação aos direitos humanos são quase sempre tingidas pela conveniência”.

Mas, seja qual for seu desfecho, a revolução líbia convida a própria esquerda a uma reflexão autocrítica. O caráter de um governo não está no que ele diz de si próprio, nem apenas nas políticas que conduz, mas também — e cada vez mais — no grau de participação e horizontalidade que é capaz de manter com as multidões. Ao escancarar este fato, o vendaval árabe oferece mais um presente inestimável à nova cultura política que está em construção.

Disponível em http://ponto.outraspalavras.net/2011/02/22/libia-a-revolucao-esclarece/ (acesso em 24/02/2011)

Cita um artigo publicado dia 22, por Gideon Rachman, principal analista internacional do diário londrino (e pró-capitalista) Financial Times, que reconhece: “nos últimos anos, o líder líbio foi recaracterizado como sendo um pecador reformado, aliado na ‘guerra ao terror’ e valioso parceiro de negócios (…) As mudanças de atitude em relação a Gaddafi evidenciam a forma como as preocupações ocidentais em relação aos direitos humanos são quase sempre tingidas pela conveniência”.

Excelente leitura!

Cláudio Marques Duarte
Twitter: @claudio_mduarte
Facebook: claudiomduarte

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Código florestal e catástrofes climáticas

Recebi por e-mail da grande amiga Beth Peral, assessora do deputado federal Filippi (PT/SP), um brilhante artigo dos professsores da UFMG, Delze Laureano e José Luiz Quadros, que mostra "como as mudanças no Código Florestal podem comprometer ainda mais a vida caso sejam implementadas".

Os autores historiam como se deu a posse pela terra desde as capitanias hereditárias. Sob o seu ponto de vista,  "o direito de propriedade no Brasil é de fato não um direito, mas um privilégio". Detalham também a história da legislação florestal no Brasil.
Por fim, em concisos e didáticos pontos, explicam que se for aprovado como está, o suposto "novo" Código Florestal será mais uma arma nas mãos dos grandes proprietários para dizimarem de vez o nosso meio ambiente. Aí, na minha opinião, poderemos esquecer o sonho de um futuro sustentável. Boa leitura!

Cláudio Marques Duarte
Twitter: claudio_mduarte
Facebook: claudiomduarte
e-mail: claudiomduarte@ig.com.br


Código florestal e catástrofes climáticas

Delze dos Santos Laureano[1] e José Luiz Quadros de Magalhães[2]
 
1 - Contextualizando o problema
 
O mês de janeiro de 2011 foi marcado pela tragédia no Brasil. Na região serrana do Estado do Rio de Janeiro, centenas de pessoas morreram e milhares ficaram desabrigadas após perderem as suas casas completamente tomadas pelas águas das chuvas ou destruídas pelas fortes enchentes e deslizamentos nas encostas. Em pelo menos cinco municípios da região o que se viu por mais de 02 semanas foi lama, pedras enormes e detritos espalhados pelas cidades e pelo campo. Carros, postes, árvores, casas, pessoas, tudo foi arrastado pela força das águas como se fossem de papel. Esse já é considerado um dos piores desastres ambientais do Brasil e um dos maiores da última década no mundo. No mesmo período, no sul de Minas Gerais e em algumas cidades de São Paulo houve situações de calamidade igualmente desoladoras, ainda que em menores proporções que as do Rio de Janeiro.

Tudo isso causa perplexidade. Porém, a perplexidade tem de ceder à indignação. Damo-nos conta de que muito do que ocorreu poderia ter sido evitado. As conseqüências das fortes chuvas revelam as mazelas sócio-políticas e econômicas existentes no nosso país. As águas das chuvas desnudam o lado desigual, injusto e cínico da nossa sociedade. Mostram como as decisões dos ocupantes dos cargos políticos mantêm os privilégios, adiando permanentemente a correção das injustiças históricas, deixando literalmente à margem os que recebem expressamente na Constituição o status da igualdade e da dignidade. A situação em Petrópolis e Nova Friburgo revelam ainda um outro aspecto da realidade brasileira: a falta de planejamento estatal, o crescimento urbano caótico, muitas vezes fruto de uma cultura imediatista do ganho a todo custo, e a corrupção política que afasta os critérios técnicos na ocupação do solo urbano.

Os problemas ambientais e as conseqüências das mudanças climáticas são cada vez mais constantes e ameaçadores. Por falta de reformas agrária e urbana, a ocupação irregular dos territórios aumenta os riscos.
Muitas vezes as decisões políticas oficiais vêm na contramão dos interesses nacionais mais urgentes. Vamos, neste artigo, mostrar como as mudanças no Código Florestal podem comprometer ainda mais a vida caso sejam implementadas.
 
2 - A ação política em face do direito de propriedade
 
O primeiro ponto a ser tratado aqui é a raiz dos nossos problemas territoriais. A semente de todas essas mazelas foi a ocupação irracional e não democrática do nosso território. A violência e a injustiça marcam a vida dos trabalhadores do campo desde a chegada dos colonizadores portugueses, perpetuando-se ao longo da nossa história. Desde a colônia, somente os amigos do rei receberam imensas áreas de terras, as sesmarias, das quais esses donatários não prestaram conta ao governo do uso e ocupação. Para a população pobre e subjugada restou o trabalho intenso na terra sob a forma de escravidão, ou para os trabalhadores livres a exploração por meio dos sistemas de parcerias e arrendamento de terras. Mais tarde foram mantidos os privilégios dos donos das terras no regime do colonato e com o trabalho desumano dos bóias-frias. 

Na iminência da abolição da escravatura negra, a terra foi cercada e passou a ser adquirida somente mediante compra. Esse foi o teor da Lei 601/1850, em vigor até hoje, que criou o instituto das terras privadas e das terras devolutas no Brasil, condenando os pobres à exclusão do acesso à posse da terra no campo e na cidade. Garantiram-se, assim, aos já aquinhoados, o privilégio no uso das terras públicas, nunca discriminadas, e o direito absoluto sobre as propriedades privadas, privando a maioria da população de um importante meio para o desenvolvimento social e econômico, que é a terra, conforme defendeu o economista Celso Furtado.

Nasceram assim os latifúndios e os minifúndios – ambos inimigos do desenvolvimento no campo. Nas cidades a população pobre foi empurrada para as favelas. Perpetuamos a absurda e insustentável negação do direito à cidade. A população mais pobre ficou condenada à periferia de tudo. Com dimensão continental, o Brasil, desde a colônia, não assegura sequer o direito de moradia digna para todos os brasileiros. As reformas, agrária e urbana, foram sempre adiadas pelos sucessivos governantes.  Mesmo após o início do processo de redemocratização do país, com a Constituição de 1988, não conseguimos mudar a correlação de forças frente aos que controlam as melhores áreas rurais e a especulação imobiliária urbana, permanecendo os pobres nas áreas de risco e sem terra para trabalhar.

Somos o país com a maior concentração de terras do mundo, mantendo imensas áreas de solo próprio para o cultivo, públicas e privadas, em poucas mãos, inclusive para os estrangeiros do agronegócio.[3] Os trabalhadores sem terra ou com terra insuficiente para a produção nos minifúndios são expulsos para as cidades estagnadas no desenvolvimento urbano em razão da especulação imobiliária. Os investimentos públicos, mesmo quando usados para a realização de obras necessárias à população, são apropriados pelas mesmas elites por meio da supervalorização dos imóveis. Somente a intervenção estatal poderia direcionar esses imóveis para as necessárias políticas habitacionais.

Some-se que, conforme mostram os dados do IBGE, existem mais imóveis vazios próprios para habitação que demandantes por casa no Brasil.[4] A maior concentração de imóveis desocupados ocorre em São Paulo.
 


Tudo isso corrobora o nosso ponto de vista segundo o qual o direito de propriedade no Brasil é de fato não um direito, mas um privilégio. Ou seja, o direito de propriedade é visto pelos intérpretes apenas sob o aspecto subjetivo - o título de propriedade -, excluindo-se o aspecto objetivo que é a função social, já que o uso e gozo da propriedade não são revertidos em benefício de todos.
 
3 - A história da legislação florestal no Brasil
 
         O Código Florestal, apesar da relevância do seu conteúdo, é um desconhecido nacional. Ele apresenta um elevado potencial na consecução dos princípios do direito ambiental e, desde o seu embrião, cuidou dos bens de interesse comum a todos os habitantes, antecipando o que reconhecemos hoje como direito difuso. Em 1965 foi promulgado o texto atualmente em vigor com a instituição de punição para o uso nocivo da propriedade, seja por ações ou omissões contrárias às disposições que tratam das florestas.
Numa breve digressão sobre o patrimônio florestal brasileiro, cabe lembrar que a principal atividade econômica dos colonizadores portugueses no Brasil, no início do século XVI, foi a exploração do Pau Brasil. Essa árvore especial de seiva vermelha era utilizada para tingir tecidos. Como primeiro eixo econômico, a espécie chegou quase à extinção nas matas costeiras, devido à exploração intensiva por três séculos consecutivos.

Não foi somente a exploração do Pau Brasil a responsável por dizimar a Mata Atlântica que, conforme consta em diversos documentos de época, era encontrada em todo o litoral brasileiro, do Rio Grande do Sul até o Rio Grande do Norte. Os colonizadores do país, para a construção de cidades e para a implantação de atividades agrícolas e pecuárias praticamente acabaram com as matas existentes, a ponto de quase não haver mais disponibilidade de madeira para a construção de casas e obras públicas.
  Tamanha devastação obrigou a criação da primeira lei para coibir o uso abusivo dos recursos florestais. Em 30 de janeiro de 1802 foi então publicado o Alvará de Regimento das Minas e Estabelecimentos Metálicos, que exigia ordem escrita da Administração das Matas e Bosques para a venda de madeiras e lenhas por particulares ou para se fazer queimadas.

Em 1825 uma nova lei passou a exigir licenças para o corte do Pau Brasil, dando ênfase principalmente a madeiras utilizadas na construção. Ainda no período imperial, nos anos de 1843 e 1858,  foram criadas leis enumerando as espécies florestais que não poderiam ser exploradas sem o consentimento do Estado. Daí o surgimento do termo “madeira de lei” para as espécies florestais mais nobres do Brasil.
Na Primeira República, período que vai de 1889 a 1930, não encontramos novas leis de proteção aos recursos florestais. Somente em 1934, durante o Estado Novo, foi feita uma tentativa de consolidar as leis, normas e costumes relacionados às florestas, surgindo o Decreto n.º 23.793, já conhecido como Código Florestal.

Os relatos históricos dão conta de que essa legislação não obteve efetividade. Foi em 1965, já na vigência da ditadura militar, que surgiu o “Novo Código Florestal”, tendo em seu artigo 1º que: “As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem.” Esse texto legal sofreu diversas modificações em 1989 com a Lei 7.803 e em 2001 com a MP 2166-67/01.
Mesmo não podendo afirmar que o Código Florestal brasileiro, promulgado em 1965, tenha criado uma lei de natureza ambiental, com a ênfase que damos na atualidade ao Direito Ambiental, foram expressamente tratados no Código aspectos que já demonstravam o valor intrínseco das florestas e vegetações nativas, não importando seu valor comercial.

Os avanços na legislação de 1965 podem ser facilmente observados. Enquanto o Código de 1934 tratava de proteger as florestas contra a dilapidação do patrimônio florestal do país, limitando aos particulares o irrestrito poder sobre as propriedades imóveis rurais, o Código de 1965 reflete uma política intervencionista do Estado sobre a propriedade imóvel agrária privada na medida em que as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação são consideradas bens de interesse comum a todos os habitantes do País.

Aprimoraram, nesta via, as figuras jurídicas da Reserva legal e das Áreas Permanentes de Preservação do código de 1934. Observa-se também que a proteção contra o desmatamento e a não utilização dessas áreas para atividades agrárias, visa todo o ecossistema e a biodiversidade, iniciando-se uma concepção de desenvolvimento sustentável por meio na legislação florestal brasileira.
Por mais de quatro décadas essa foi a lei que definiu a relação entre os setores produtivos e as fronteiras florestais. Definiu o território da Amazônia legal, que compreende os Estados do Acre, Pará, Roraima, Rondônia, Amapá e Mato Grosso e regiões ao norte do paralelo 13° S, dos Estados de Tocantins e Goiás, e ao oeste do meridiano de 44° W, do Estado do Maranhão, abrangendo toda a chamada “Amazônia brasileira”.

Apesar da sua importância, a lei foi muito pouco aplicada. As punições previstas para os infratores não intimidou o seu sistemático desrespeito. Somente a partir da década de 1980 é que podemos dizer que o Código Florestal ganhou força, primeiramente com a edição da Lei 6981/81, que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente, conferindo legitimidade ao Ministério Público para propor ações por responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente. A promulgação da Lei 7.347/85, normatizando a tutela processual dos interesses difusos, por meio da Ação Civil Pública, alargou ainda mais o alcance do Código Florestal.

Posteriormente, a edição dos regulamentos atendeu às modernas necessidades de  preservação surgidas na década de 1980. Em 1981, foram regulamentadas as Áreas de Preservação Ambiental - APAs -, classificadas para o uso direto dos recursos naturais, assim como as Florestas Nacionais, Reservas Extrativistas e as Reservas de Fauna, onde são permitidas a ocupação e exploração dos recursos naturais. Em 1989 foi finalmente qualificada a legislação sobre Área de Preservação Permanente - APP -, já presente no Código desde 1965, mas que ainda não tinha regulamentação. Em 1989, com a Lei 7803, foi regulamentada a Reserva Legal, ficando estabelecido que em cada propriedade rural deva ser preservada uma área e o seu desmatamento é considerado crime.

Juntamente com o capítulo de Meio Ambiente da Constituição de 1988 – Capítulo VI, Título VII -, o Código se tornou uma das principais leis de preservação da biodiversidade no País. Desde então tem sido um importante instrumento de proteção ambiental utilizado pelo Ministério Público e pelas associações que buscam proteger os recursos naturais, tanto no campo quanto nas cidades.
 
4 - As mudanças propostas no legislativo para o Código Florestal
 
Os pontos polêmicos e as mudanças são os seguintes:

As Áreas de Preservação Permanente – APPs -, que são as florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao longo dos rios e cursos de água ou que envolvam nascentes e olhos d’água, nos topos de morros, montanhas e serras, nas encostas com declividade superior a 45º, nas restingas, nas bordas de tabuleiros ou chapadas e nas altitudes superiores a 1.800 metros , tem a seguinte proteção no Código Atual:

a) rios e córregos devem ter, no mínimo, 30 metros de áreas preservadas em suas margens, mata ciliar, e as áreas desmatadas precisam ser recuperadas. Na proposição que será votada, a área mínima de preservação das margens caiu para apenas 15 metros para rios com até 5m de largura e os Estados podem propor diferentes medidas de acordo com levantamentos locais;

b) as áreas de encosta, topos de morros e várzeas não podem ser desmatadas, segundo o atual texto. O texto a ser votado prevê que cada Estado da federação poderá propor plantio em encostas e topos de morros de acordo com a necessidade. Ou seja, ao invés da manutenção do ambiente natural nas encostas poderá haver exploração florestal por meio de cultivo. As áreas de várzea não são mais consideradas de proteção permanente e podem, quando necessário, ser utilizadas para fins agropecuários.

c) destacamos também que as Áreas de Proteção Permanente não fazem parte do cálculo da reserva legal. Atualmente todo proprietário rural tem a obrigação de manter no mínimo 20% da propriedade com vegetação original; na Amazônia, o percentual é de 80%.[5] A recuperação dessas áreas desmatadas, segundo a previsão da lei, deve ser feita com espécies nativas. No novo texto, as Áreas de Proteção Permanente podem ser descontadas do cálculo da reserva legal obrigatória;

d) as propriedades de até quatro módulos fiscais (diferente em cada região do País) de acordo com a proposição aprovada não precisam mais manter uma reserva legal. Dependendo do caso, propriedades no cerrado amazônico podem ter apenas 20% de reserva e para a recuperação de áreas desmatadas poderão ser utilizadas espécies exóticas como o eucalipto e pinus.

Outro aspecto que precisa ser destacado é o controle estatal sobre essas exigências legais. Por exemplo, todo proprietário precisa registrar a área de reserva legal e, em caso de devastação, é obrigado a recompor a área de proteção estando sujeito à multa e outras sanções.

Em caso de desrespeito à legislação são previstas multas e sanções econômicas para o proprietário.  A proposição já aprovada veda somente novos desmatamentos durante cinco anos, mesmo período em que cada Estado definirá programas específicos para o tema. A princípio os proprietários estão desobrigados de recuperar áreas já desmatadas até julho de 2008. Ou seja, serão automaticamente anistiados os desmatamentos ilegais ocorridos e que causaram danos ao meio ambiente. Além disso, terá o proprietário 20 anos para recuperar as áreas desmatadas, com possibilidade de compensação ambiental em outras áreas[6], substituindo multas e sanções.

Podemos observar que há maior autonomia dos Estados nas questões ambientais com a descentralização do processo legislativo. Dessa forma, os governos estaduais definem os percentuais das áreas de reserva legal e as sanções que podem ser aplicadas se as leis ambientais não forem cumpridas. Verifica-se que o maior problema é que cada Estado terá cinco anos para o desenvolvimento de planos que possibilitam o zoneamento ambiental, além das próprias leis. Nesse caso, o perigo está nos interesses envolvidos, já que muitos estados são controlados pelos grandes proprietários de terras e na fiscalização durante a elaboração legislativa. Um exemplo que pode ser tomado é o Estado de Santa Catarina, onde já ocorreram catástrofes climáticas, todavia em vista de ser um estado dominado pelos interesses dos ruralistas foi o primeiro e criar leis estaduais desrespeitando as normas gerais já estabelecidas no Código Florestal pela União.

Além disso, é importante destacar que o Brasil é um dos países com o maior número de leis ambientais vigentes, mas temos o grande problema do descumprimento e tergiversação das leis. Caso as mudanças sejam aprovadas representarão anistia geral àqueles que desmataram as Reservas Legais e áreas de Preservação Permanente, confirmando o velho jargão de que “o crime compensa”.

Reflorestamentos (melhor dizendo, cultivo de matas homogêneas) de eucaliptos ou de pinus, que são espécies exóticas, e ainda plantios de eucalipto, manga, coco, limão ou outras culturas, poderão ser consideradas como Reserva Legal, ou seja, recebem o status de vegetação nativa. Mesmo sendo mantida a cobertura vegetal de forma perene há prejuízo para o bioma da região.  

Haverá também uma inversão da responsabilidade pelo dano ambiental, uma vez que o plano de recuperação ambiental deverá ser do Poder Público. Constitucionalmente, a responsabilidade pela recomposição do dano é incondicionalmente atribuída ao devastador ambiental e não do Poder Público.[7] A proposição aprovada permite ainda que florestas nativas sejam absurdamente convertidas em lavouras nas propriedades mais produtivas, sem qualquer licença das autoridades ambientais e a exploração econômica de florestas e outras formas de vegetação nas Áreas de Preservação Permanente que são as margens de rios, lagos e reservatórios, áreas de encosta e topos de morros.

Admite, também, que se usem florestas de preservação permanente para realização de construções, abertura de estradas, canais de derivação de água e ainda atividades de mineração e garimpo, consideradas de interesse social. Na prática elimina a figura da Reserva Legal em qualquer imóvel, pois ao dispensar a existência da Reserva Legal em todo imóvel de até quatro módulos fiscais e como qualquer imóvel poderá ser parcelado, os proprietários poderão simplesmente simular o parcelamento do solo, considerando que sequer há limite do número de imóveis por proprietário.

Podemos acrescentar que as pequenas propriedades rurais, já vêm sendo integradas ao agronegócio. A própria lei da agricultura familiar - Lei 11.326/06 - equiparou o agricultor familiar ao empreendedor familiar rural. Atualmente existem muitos pequenos proprietários que simplesmente arrendam suas terras para o agronegócio de eucalipto, da soja, da cana-de-açúcar, falseando as estatísticas das áreas controladas pelos grandes empreendimentos rurais.

Some-se que a redução das APPs permitirá a ocupação em áreas de risco de inundação e novos desmatamentos onde a vegetação nestas áreas ainda existe. A possibilidade de se computar as APPs como reserva legal, conforme já assinalado acima, tem ainda o inconveniente de prejudicar os objetivos previstos na lei. A Área de Preservação Permanente e a de Reserva Legal exercem funções diferentes e complementares, por isso o cômputo dessas áreas não poderia ocorrer. Enquanto a Área de Preservação Permanente desempenha primordialmente as funções de preservação de áreas e ecossistemas frágeis, a Reserva Legal presta-se à conservação de vegetação e fauna nativa, representativas do bioma em que estão localizadas, Floresta, Cerrado, Campos etc. A Área de Preservação Permanente e a Reserva Legal integram um mosaico de proteção de serviços ecológicos como abrigo de fauna, polinização, manutenção da biodiversidade, estoque de carbono e regulação do clima.

Não bastasse tudo isso, a Proposição de lei relatada pelo Deputado Aldo Rebelo contribuirá para o aquecimento global. Segundo estudo elaborado pelo Greenpeace e pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia - IPAM -, a aprovação do Novo Código Florestal poderá resultar na emissão de 25 a 31 bilhões de toneladas de carbono só na Amazônia.

Contrariando o argumento da suposta falta de áreas agricultáveis, utilizado para apoiar as mudanças no Código Florestal, recente estudo coordenado pela Esalq-USP mostra que o país ainda dispõe de mais de 100 milhões de hectares de áreas plenamente aptas a implantação de atividades agrícolas. Nas vastas áreas disponíveis, a associação da evolução tecnológica com manejo agrícola sustentável, além do melhor aproveitamento das culturas já implantadas, são a garantia de segurança produtiva, sem necessidade de redução da proteção ambiental.
 
5 - Conclusão
 
É preciso deixar claro que o Código Florestal não é uma lei estritamente rural. Rios, encostas, várzeas estão localizadas no campo e nas cidades. Diversas áreas protegidas contra a ocupação humana e contra o desmatamento já estão protegidas por lei no Brasil desde 1965 - Lei 4771.  Contudo, mesmo proibidas, diversas intervenções foram feitas, resultando nas devastações ambientais e nas tragédias que ora presenciamos. Aos municípios cabe a fiscalização do cumprimento da lei e a ampliação das áreas de proteção, mas quem determina os limites mínimos das APPs é a União, por meio do Código Florestal.
Caso seja transformada essa Proposição em lei, além de anistiar os crimes ambientais já praticados novas tragédias poderão ocorrer, pois doravante esses territórios de proteção e de reconhecida fragilidade ambiental poderão ser ocupadas e exploradas legalmente.

Pode parecer uma proposição difícil de ocorrer, mas a saída possível passa necessariamente pela conscientização e mobilização social em torno da democracia representativa, na fiscalização e cobrança permanentes dos representantes.

A conquista de uma legislação ambiental e social adequada e a resistência e mobilização em torno da rejeição de uma legislação equivocada, comprometida com interesses de grupos econômicos que agem em detrimento da segurança e dignidade de todos é uma ação que tem que ser pautada pela compreensão dos problemas de forma sistêmica. Ou seja, de nada adianta agir, se esta ação não for pautada por uma compreensão completa do problema. Não teremos segurança ambiental, social e econômica enquanto as pessoas não forem capazes de enxergar a questão em toda a sua complexidade. Não há futuro possível se não mudarmos radicalmente os valores sociais e econômicos vigentes.
 
Bibliografia
ARENDT, Hannah, Sobre a Violência, Rio de Janeiro; Civilização Brasileira, 2009.
DWORKIN, Ronald, Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
LAUREANO, Delze dos Santos, O MST e a Constituição – Um sujeito histórico na luta pela Reforma Agrária no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2007.
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de, Direito Constitucional, Tomo I, II, Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.
MARICATO, Ermínia, As tragédias urbanas: desconhecimento, ignorância ou cinismo? Correio Caros Amigos, 20.01.2011.
SAFATLE, VLADIMIR, Cinismo e Falência da Crítica, São Paulo: Boitempo Editorial, 2008.
SANTIAGO, Alex Fernandes, Reserva Legal, Revista de Direito Agrário, Brasília, INCRA, 2006, p. 45-63.
www.ibge.gov.br, www.brasil.gov.br

[1] Delze dos Santos Laureano é mestra em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais (2006) e está cursando o doutorado em Direito Internacional Público na PUC-MG, na linha de pesquisa da Internacionalização dos Direitos Humanos. Ocupa o cargo efetivo de Procuradora no Município de Belo Horizonte e leciona a disciplina de Direito Agrário na Escola Superior Dom Helder Câmara. E-mail: delzesantos@hotmail.com

[2] José Luiz Quadros de Magalhães é mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1991) e doutor pela Universidade Federal de Minas Gerais (1996). Atualmente é professor titular da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, professor adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais e professor do programa de mestrado da Faculdade de Direito do Sul de Minas. É pesquisador do Instituto de Investigações Jurídicas da Universidade Autônoma do México e professor convidado do doutorado da Universidade de Buenos Aires. E-mail: ceede@uol.com.br

[3] O Censo Agropecuário 2006, divulgado no dia 30/09/2009, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que a concentração de terras persiste no País. A concentração e a desigualdade regional são comprovadas pelo Índice de Gini da estrutura agrária do País. Quanto mais perto esse índice está de 1, maior a concentração. Os dados mostram um agravamento da concentração de terras nos últimos 10 anos. O Censo do IBGE mostrou um Gini de 0,872 para a estrutura agrária brasileira, superior aos índices apurados nos anos de 1985 (0,857) e 1995 (0,856). Informações no site: www.ibge.gov.br.
 
[4] O número de casas vazias supera déficit habitacional do País, indica Censo 2010. Os primeiros dados do Censo 2010 divulgados pelo Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o número de domicílios vagos no País é maior que o déficit habitacional brasileiro. Existem hoje no Brasil, segundo o censo, pouco mais de 6,07 milhões de domicílios vagos, incluindo os que estão em construção. O número não leva em conta as moradias de ocupação ocasional (de veraneio, por exemplo) nem casas cujos moradores estavam temporariamente ausentes durante a pesquisa. Mesmo assim, essa quantidade supera em cerca de 200 mil o número de habitações que precisariam ser construídas para que todas as famílias brasileiras vivessem em locais considerados adequados: 5,8 milhões. Esse déficit habitacional foi calculado pelo Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP) com base em outro levantamento do IBGE, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). O déficit soma a quantidade de famílias que declaram não ter um teto, que habitam em locais inadequados ou que compartilham uma mesma moradia e pretendem se mudar. Não leva em conta as famílias que vivem em casas adequadas de aluguel. - Portal Brasil  em 13/12/2010. http://www.brasil.gov.br/

[5] Na Amazônia, a reserva legal aumentou de 50% para 80% nas áreas de floresta em 2001 por meio da MP 2166-67. Muitos proprietários na região se encontram em situação irregular, pois já haviam desmatado antes da mudança da regra. Porém, muitos proprietários mesmo com a mudança na legislação desrespeitaram os limites da Reserva Legal, forçando agora uma anistia.

[6] Essa compensação em outra área também é absurda, pois a preservação de uma área de Reserva Legal no Código Florestal visa à proteção do bioma dentro da microbacia. O que os grandes proprietários têm feito é adquirir terras em regiões onde o hectare de terra é mais barato, falseando os objetivos legais e pressionando  o comércio de terras das comunidades tradicionais.

[7] O que contraria frontalmente o § 3º do inciso VII, do art. 225 da Constituição Federal.