quarta-feira, 16 de março de 2011

Cultura: Gargalo do setor é a falta de indicadores de avaliação sócio-econômica de projetos, afirma professor da UFRS

“Precisamos de tecnologias que nos levem a ter capacidade e liberdade para tomar decisões”, afirma economista da UFRS

Texto e edição – Cláudio Marques

Tive a oportunidade participar – como representante do mandato popular da deputada federal Marina Sant´Anna (PT/GO) – do curso de Economia da Cultura e Empreendedorismo, promovido pelo Sebrae-GO, sob a responsabilidade do professor Décio Coutinho – aliás, meu ex-professor, em 2010, no curso MBA em Marketing e Comunicação/Cambury.
Assisti à palestra sobre Economia e Economia de Cultura, do jovem professor e economista da UFRS – Leandro Valiati (foto). Graduado em Economia, é mestre em Planejamento Urbano e doutorando em Economia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ajudou a criar e a implementar o curso de pós-graduação em Economia da Cultura na mesma universidade1. Abordou a importância do desenvolvimento de indicadores de avaliação sócio-econômica de projetos sociais e culturais.
O professor e economista Leandro Valiati, que deu curso sobre
Economia e Economia da Cultura no Martim Cererê, em Goiânia*
Na palestra, Leandro Valiati afirmou que a Economia da Cultura é um tema que demorou a pegar no Brasil. Um dos motivos que podem explicar esse atraso, segundo ele, é o conservadorismo dos economistas brasileiros. Apesar de ainda caminhar a passos lentos, este ramo da economia tem tudo para ser um dos que mais evoluirão nos próximos anos em território nacional.
Conceituando a ciência econômica, em contraposição aos clássicos como Smith, Ricardo e Marx, por exemplo, Valiati defendeu o conceito de Johnm Ruskin (1857), segundo quem a economia é “o sábio gerenciamento do trabalho”, em três sentidos: a aplicação racional do trabalho; a preservação cuidadosa de seus frutos; e a distribuição oportuna dos mesmos”. Sua tese contraria as conservadoras, tendentes a ver as coisas novas “com receio” e a analisarem as questões econômicas tendo foco apenas na produção, na poupança ou na acumulação de capital.
Em contraponto, citou os “marginalistas”, nova corrente econômica, onde as ações individuais tomadas no conjunto por todos os agentes econômicos tenderia ao equilíbrio da economia. Ao considerar as tomadas de decisões microeconômicas, os marginalistas assumiam o indivíduo no centro do estágio. As preferências são individuais e as utilidades são individuais2. Tendo motivação pessoal, individual, formada por forças de valoração simbólica, cultural, histórica.

Bem estar humano
Para ele, um pressuposto da economia é saber “o que é o bem estar humano” para só então saber “como produzir o bem estar”. A economia da cultura, assim, permitiria pensar em valor não monetário, não financeiro e não apenas no lucro financeiro.
O estudioso não desconhece a relevância de questões como PIB, balança comercial, taxa de juros, etc., pelo contrário, mas considera isso pouco. É preciso conhecer e compreender a economia como “ciência humana, envolvendo bens e valores culturais”, defende.
Cesta básica
O professor Valiati considera fundamental gerar a necessidade por consumo cultural. “Para isso, o caminho é fazer com que o consumo cultural gere bem estar às pessoas”. Segundo ele, a cultura deve ser encarada como “necessidade primária” na ‘cesta básica’ da população.
Ele explica que nem sempre ou na maioria das vezes a demanda por cultura é insuficiente porque o produto é ruim, mas devido ao fato de que este mercado é “incompleto”. Como exemplo, cita o cinema, via de regra falho na distribuição e exibição. “Portanto, se determinado filme não gerou renda, não quer dizer que não seja um bom filme”. Daí a necessidade de toda a cadeia de produção funcionar com eficácia.
Valiati ressalta que o mercado cultural tem muitas variáveis determinantes do valor de um produto, entre elas, hábito e renda. O que seria barato para um empresário, pode ser muito caro para uma pessoa de baixa renda. Mas ambos pagariam o máximo, a depender de seu gosto.
O economista chamou a atenção dos cursistas – cerca de cem pessoas, entre atores, diretores, produtores, jornalistas, etc – para o fato de que na nossa “jovem democracia”, o mercado é determinado pela força da sociedade organizada. “Se há leis de incentivo concentradoras, por exemplo, elas são fruto da nossa capacidade de organização”. E questionou, instigando os participantes a refletir: o quê a sociedade deseja consumir como bem cultural? Que tipo de mercado de cultura nós queremos? Para responder: “não o que aí está: concentrado, sem formação para o consumo”.
Gargalo
O ponto alto da exposição foi a defesa que Leandro Valiati fez necessidade de se ter e usar ferramentas tecnológicas disponíveis para a mensuração da qualidade e/ou do maior alcance dos produtos culturais junto ao público consumidor, como é o caso dos indicadores de avaliação sócio-econômica de projetos sociais e culturais. Este, aliás, seria o “gargalo” do setor. Segundo ele, há uma quase inexistência de dados sobre economia de cultura (citou alguns genéricos do IBGE), importantes para se saber formular multiplicadores de renda, emprego e mercado de trabalho, para se mensurar o que um produto cultural pode gerar. Para ele, o uso da tecnologia é útil na gestão pública  e na gestão privada. “Não que os números sejam tudo”, esclareceu.
Citou o case de uma análise S.W.O.T. da economia da cultura de Pernambuco, feita com o objetivo de criar um indicador de efetividade da política cultural do Estado. Foram pesquisados todos os ciclos anuais de eventos como o carnaval e a Paixão de Cristo, por exemplo, a fim de mapear os dados de impacto sócio-econômico dos mesmos, além de criar um indicador qualitativo e quantitativo para avaliar os resultados de cada ação específica, compreendendo assim os dados de emprego e renda, mas com o pano de fundo de compreender os aspectos qualitativos associados à sustentabilidade, explicou. SWOT é um acróstico formado pelas primeiras letras das palavras Strengths, Weaknesses, Opportunities e Threats, ou, em português, forças, fraquezas, oportunidades e ameaças.
Leandro Valiati expressou que esse tipo de análise pode ajudar os agentes financiadores, especialmente os públicos, na definição do que priorizar. Ou os próprios fazedores de cultura a detectarem o potencial de seu produto junto ao consumidor potencial. “Muitas vezes o Estado financia coisas que tem mercado privado garantido e aí um produto que ainda não tem (mercado cativo) muitas vezes não é financiado”. Ele deixou claro não ser contra o financiamento público, mas chamou a atenção para a reflexão.
O economista Leandro Valiati concluiu reforçando que a grande pauta da economia da cultura, hoje, é a produção de tecnologias para que se possa mensurar, planejar e calcular as oportunidades e ameaças, forças e fraquezas de cada produto. “Tecnologias que nos levem a ter capacidade e liberdade para tomar decisões”.
O curso foi realizado dia 15 de março/2011, o dia todo, no centro cultural Martim Cererê, setor Sul, Goiânia-GO.  E teve ainda duas outras palestras: Direitos Culturais e Práticas em Direito na Economia da Cultura, com o Prof. Esp. Rodrigo Koff Coulon; e Economia da Criatividade e Empreendedorismo, com a Prof. Me. Ana Carla Fonseca Reis.
O Sebrae informa que este mesmo curso já foi realizado em São Paulo e ocorrerá em outras três capitais.

1 – http://www.blogacesso.com.br/?p=1638 (acesso em 16/03/2011)
2 –  http://pt.wikipedia.org/wiki/Marginalismo (acesso em 16/03/2011)

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